Herança é bom quando vem de longe, de um parente distante, quando os laços afetivos são quase que inexistentes. Receber uma herança de um familiar próximo exige um trabalho afetivo que nem sempre é fácil de administrar.
A morte de um ente querido e a divisão dos bens adquiridos por este ao longo da vida, traz a tona muitos sentimentos. Muitos deles remetem a culpa, ciúme, mágoas, ressentimento entre outros.
Quando alguém próximo morre a intimidade deste vem à tona e fica exposto a especulações. Por que guardava isto? Qual era sua intenção quando fez tal coisa? O que desejava que fosse feito com determinados objetos? Ficam espaços para serem completados com respostas das quais não se tem mais como saber, se não supor. A imaginação fica a solta e a dor também.
Quando se mexe ou se apropria dos pertences do falecido a sensação pode ser a de estar invadindo um terreno que não lhe pertence. Por outro lado, ver estes pertences serem tomados por outro, gera o sentimento de como se algo seu estivesse sendo roubado. É que à medida que os bens são divididos, suscita a sensação de que se está perdendo a referencia da historia de vida da pessoa que morreu.
Muitas vezes as brigas que se instalam durante a divisão dos bens de uma pessoa querida que morreu, está muito mais ligada ao desejo de ficar com seus objetos como se eles representassem a própria pessoa .
A dor da perda é tão grande e assustadora que o sentimento despertado muitas vezes é o de que: eu preciso ficar com mais, mais o quanto posso “dele”. Eu não posso perdê-lo!
Ficar com algumas coisas daquele que se foi dá a sensação de que a dor pode ficar menor e a perda também.
Quando é deixado um testamento e este é uma surpresa para os familiares, ou seja, quando não é algo já falado e aceito pelos envolvidos antes da morte da pessoa, tende a ser bem mais complicado.
A divisão dos bens parece nunca ser justa. Muitas interrogações e muitos ressentimentos podem vir à tona e a elaboração da perda desta pessoa pode se tornar ainda bem mais difícil.
No caso da perda de um dos pais, está presente a natural disputa entre irmãos referente aos afetos destes durante o percurso da vida e que agora com sua perda estes sentimentos são transferidos para os bens e sua distribuição. Expectativas de compensar sentimentos não gratificados ou ajustes em afetos julgados desleal vêm à tona. Como se quisesse neste momento final o acerto de contas antes que tudo se perca com sua repartição.
No entanto estes sentimentos são ambivalentes, quero dizer que ao mesmo tempo em que se anseia pela posse dos pertences do falecido, bem como que pela finalização deste tão dolorido período de ajustes, ocorre uma resistência muitas vezes em dar um desfecho final a este processo, gerando um longo caminho até a resolução do inventário. Isto por que o inventário finaliza. Os envolvidos estão ligados ao falecido através das discussões, dos acertos ou desacertos, sendo o inventário, mais um momento de despedida daquele que se foi. Funciona como um novo desligamento do ente querido, à medida que com o inventário os bens pertencentes ao falecido ganham um novo rumo, um novo dono e um novo destino.
Indicação de Filme:
Nome: Americano
Título Original: Americano
Direção: Mathieu Demy
Roteiro: Mathieu Demy
Ano:2011
País: França
Texto de autoria de Rosângela Martins - Todos os direitos reservados
Psicóloga Porto Alegre
CRP 07/05917